Trump quer acabar com Pix? Entenda quais os limites da investigação dos EUA sobre práticas do Brasil
ESPECIALISTA DA FGV EXPLICA QUE NENHUM GOVERNO ESTRANGEIRO TEM CAPACIDADE DE ACABAR COM O PIX, SISTEMA CRIADO PELO BANCO CENTRAL
Postagens que afirmam que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quer "acabar com o Pix" passaram a viralizar nas redes depois do anúncio de que os americanos abriram uma investigação sobre "práticas comerciais" injustas do Brasil. O sistema de pagamentos eletrônicos é um dos focos da investigação, anunciada na terça-feira, 15.
Mas, embora o Pix esteja na mira de Trump, o governo americano não poderia "acabar" com o sistema brasileiro. O Pix foi criado pelo Banco Central. De acordo com a economista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carla Beni, nenhum governo estrangeiro teria a capacidade de acabar com esse serviço. "Esse é um nível de interferência que não existe", esclareceu.
A investigação determinada por Trump foi anunciada pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês). O procedimento visa determinar "se atos, políticas e práticas do governo brasileiro são irracionais ou discriminatórios e oneram ou restringem o comércio dos EUA", segundo comunicado oficial.
O Pix não foi mencionado nominalmente no anúncio do USTR, mas o escritório cita "serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo".
O comunicado oficial sobre a investigação divulgado pelo governo americano menciona ainda comércio digital, tarifas preferenciais injustas, interferência anticorrupção e proteção da propriedade intelectual como alguns dos focos da investigação.
A medida foi anunciada menos de uma semana após Trump ameaçar o Brasil com tarifas de importação de 50%. A imposição das tarifas no último dia 9 foi justificada pelo republicano principalmente como resposta ao tratamento dado pelo Brasil ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) contra empresas americanas de tecnologia.
Também no dia 9, Trump anunciou que abriria uma investigação contra o Brasil - o que se deu formalmente na última terça-feira. "Devido aos contínuos ataques do Brasil às atividades de comércio digital de empresas americanas, bem como outras práticas comerciais desleais, estou instruindo o representante de Comércio dos Estados Unidos, Jamieson Greer, a iniciar imediatamente uma investigação sob a Seção 301", escreveu o americano na época.
A Seção 301 faz parte da Lei de Comércio americana de 1974. Como explicou o Estadão, a Seção 301 é uma ferramenta de política comercial que permite aos EUA investigar e retaliar outras nações contra práticas comerciais consideradas injustas, discriminatórias ou restritivas ao país.
Caso o USTR comprove as irregularidades apontadas, por meio da investigação, os Estados Unidos estariam autorizados, pela legislação norte-americana, a impor medidas retaliatórias. De acordo como o Congresso dos EUA, as medidas autorizadas pela Seção 301 são:
Imposição de tarifas ou outras restrições à importação;Retirada ou suspensão de concessões de acordos comerciais;Firmamento de um acordo vinculativo com o governo estrangeiro para cessar a conduta em questão ou compensar os EUA.
Onde entra o Pix na investigação?
Entre outros pontos, o anúncio divulgado pelo USTR diz que o Brasil "parece se envolver em uma série de práticas desleais no que diz respeito aos serviços de pagamento eletrônico" e que haveria "vantagens para os serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo". Esta é uma referência clara ao Pix - embora o nome do serviço não seja citado.
Na leitura da economista e professora da FGV Carla Beni, o problema para os americanos é que empresas como Visa e Mastercard, que oferecem serviços de pagamento, tendem a perder mercado no Brasil, visto que o Pix tem se desenvolvido a ponto de permitir parcelamento e outras finalidades. "A utilização de cartões das bandeiras Visa e Mastercard tende realmente a se reduzir", explicou.
Quanto à ideia de o Pix ser considerado uma "prática comercial desleal", a professora da FGV explica que não existe nenhuma obrigatoriedade de o Brasil usar uma plataforma de pagamento internacional. "Não existe nenhum tipo de acordo ou obrigatoriedade em relação a isso", esclareceu. "Então, compete ao país desenvolver a sua própria plataforma".
Para a economista, dizer que "Trump quer acabar com o Pix" é um exagero. "Até porque ele nem pode", completou.
Nenhum governo estrangeiro tem a capacidade de acabar com o Pix. Esse é um sistema de pagamento criado e gerido pelo Banco Central do Brasil.
