Número de indenizações por vacinas contra covid é extremamente baixo em comparação ao total de doses
TEXTO APRESENTA DADOS DE FORMA ISOLADA PARA QUESTIONAR SEGURANÇA DOS IMUNIZANTES; ESTUDO APONTA QUE VACINAÇÃO EVITOU 14,4 MILHÕES DE MORTES NO PRIMEIRO ANO DA PANDEMIA
O que estão compartilhando: que as vacinas contra covid estariam custando milhões em indenizações por efeitos colaterais e mortes. O texto analisado cita exemplos do Brasil, dos Estados Unidos e do Reino Unido.
O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é enganoso. Diante do número de doses aplicadas, a quantidade de indenizações concedidas é extremamente baixa. Os programas governamentais de indenização por danos causados por vacinas dos Estados Unidos e do Reino Unido, citados no texto analisado, são anteriores à pandemia da covid-19.
Nos EUA, foram concedidas 11 indenizações a cada 100 milhões de doses de vacina aplicadas; no Reino Unido, foram 14 a cada 1 milhão. O Brasil não tem um programa de indenização como o desses dois países, mas o número de eventos adversos é muito baixo. Foi registrada 1 morte a cada 10 milhões de doses aplicadas.
Autoridades de saúde desses países garantem que as vacinas são seguras e que seus benefícios superam amplamente os riscos. Estudos científicos estimaram o número de vidas salvas pela vacinação contra a covid. Um deles, publicado na The Lancet, calculou que a imunização evitou 14,4 milhões de mortes em 185 países no primeiro ano da pandemia.
Saiba mais: O texto analisado pelo Verifica afirma citar dados de programas governamentais que indenizam cidadãos por lesões e mortes causadas por vacinas. Os dados relativos à vacina contra a covid-19 são apresentados sem o comparativo com o total de número de doses aplicadas nos países citados. Dessa forma, ao expor os números de forma isolada, o texto passa a impressão de que as vacinas não são seguras, o que não é verdade.
A postagem analisada - assim com outras que exploram o mesmo tema - surgiu após a notícia recente de que o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) determinou aumentar para R$ 3,7 milhões a indenização a ser paga pela farmacêutica AstraZeneca à família de uma gestante que morreu após tomar a vacina contra a covid em 2021.
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EUA: 1,1 indenização a cada 10 milhões de doses
Em relação aos Estados Unidos, o texto cita o Countermeasures Injury Compensation Program (CICP). Criado antes da pandemia da covid-19 - a primeira indenização foi paga em 2010 - o programa oferece compensação financeira em casos de lesões sérias ou mortes causadas diretamente pela administração de contramedidas como uma vacina, medicamento ou equipamentos para tratar uma emergência de saúde pública.
O site do programa explica que contramedidas salvam vidas, e que a maioria das pessoas que as recebem não tem problemas sérios. Mas, como qualquer medicamento, elas podem causar efeitos colaterais.
Segundo dados do CICP, até junho deste ano, foram preenchidas 13.836 reclamações em relação à vacina contra covid. No total, 4.413 decisões foram emitidas, resultando em 75 indenizações. Os valores estão disponíveis nesta tabela.
O número de compensações é extremamente baixo diante do número de doses aplicadas nos EUA: aproximadamente 677 milhões de doses até maio de 2023, segundo o site Our World in Data, da Universidade de Oxford.
Ao Estadão Verifica, a jurista e professora da Universidade da Califórnia Dorit Reiss, especialista em questões legais relacionadas a vacinas, afirma que o fato de o CICP oferecer indenizações por problemas causados por vacinas não significa que elas não são seguras.
"Nada que atue no corpo estará isento de riscos", disse Dorit. "As vacinas contra a covid-19 não são livres de risco, mas são seguras, porque esses riscos são pequenos - danos graves são muito raros".
Ela faz uma analogia: "As pessoas podem se engasgar com uma uva, mas isso não torna as uvas inseguras; um pequeno risco como esse não altera a segurança".
Reino Unido: 1,4 indenização a cada 1 milhão de doses
Outro dado utilizado no texto analisado é sobre o programa Vaccine Damage Payment Scheme (VDPS), do Reino Unido, que existe desde 1979. O programa oferece o pagamento de uma taxa única de £ 120 mil (cerca de R$ 897 mil) por danos causados por vacinas.
Segundo dados do VDPS, foram recebidas 19.895 reclamações no Reino Unido, resultando no pagamento de 217 indenizações. Mais uma vez, o número é bem inferior às 151 milhões de doses aplicadas até setembro de 2022, segundo o Our World in Data.
Tanto nos EUA quanto no Reino Unido, os órgãos de controle de medicamentos afirmam que as vacinas contra covid são seguras. Nos EUA, a Federal Drug and Administration (FDA) destaca que "os benefícios conhecidos e potenciais da vacinação contra covid-19 superam amplamente seus riscos conhecidos e potenciais".
No Reino Unido, o National Health Services (NHS) afirma que "a vacina é segura e não contém nenhum ingrediente animal ou nocivo. É a melhor maneira de prevenir a morte ou doença grave pela covid-19?.
A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) afirma que "os benefícios das vacinas contra a covid-19 superam amplamente seus riscos".
Estudos mostram que vacinas salvaram milhões de vidas
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou que a pandemia da covid-19 causou cerca de 15 milhões de mortes no mundo entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021. Por outro lado, um estudo na The Lancet em 2022 avaliou que a vacinação contra a covid-19 preveniu 14,4 milhões de mortes no primeiro ano da pandemia.
Outro estudo publicado na The Lancet em 2024 mostrou que, na Europa, a vacinação contra a doença salvou 1,6 milhão de vidas de dezembro de 2020 e março de 2023.
Um outro estudo, também publicado pela The Lancet em 2024, mostrou que as vacinas contra 14 tipos de doenças salvaram 154 milhões de vidas nos últimos 50 anos. A grande maioria das vidas salvas foram de crianças - 101 milhões.
"O mundo ficou de joelhos com a pandemia da covid-19 e foram as vacinas que nos tiraram dela", afirmou Luiz Carlos Dias, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
"Fizemos o maior programa de vacinação da história da imunidade. Como todo medicamento, a vacina pode ter efeitos colaterais, mas as lesões graves são extremamente raras", disse.
Brasil: 1 morte a cada 10 milhões de doses
O Ministério da Saúde monitora casos de Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (Esavis), que "são qualquer ocorrência médica indesejada após a vacinação, não possuindo necessariamente uma relação causal com o uso de uma vacina". Todos os casos considerados graves são investigados, com os resultados publicados periodicamente nos boletins de monitoramento desses eventos.
O Boletim epidemiológico 10 (Vol. 54/19 de junho 2023) traz um compilado dos casos verificados desde o início da campanha de vacinação, em janeiro de 2021, até a semana 11 de 2023 (13 a 19 de março). É o mais recente disponível. No período, o boletim contabilizou 510 milhões de doses em todo o Brasil. Nesse universo, 50 dos óbitos notificados tiveram uma relação causal considerada como consistente com a vacinação. O dado corresponde aproximadamente a 1 óbito em cada 10 milhões de doses aplicadas.
Com base no estudo pulicado na The Lancet, o boletim destaca que a pesquisa estimou que a vacinação evitou entre 700 a 880 mil mortes no Brasil até o final de 2021. "Ou seja, para cada óbito por Esavi com relação causal consistente com a vacinação, entre 43.750 a 55.000 outros óbitos foram evitados pela vacinação", aponta o boletim.
