Herus foi baleado perto de padaria; vídeo engana ao afirmar que não havia comércio no local
EM VÍDEO, POLICIAL DÁ A ENTENDER QUE RAPAZ NÃO ESTAVA INDO COMPRAR LANCHE QUANDO FOI BALEADO E MORTO DURANTE FESTA JUNINA NO MORRO SANTO AMARO; AUTOR FOI PROCURADO, MAS NÃO RESPONDEU
O que estão compartilhando: vídeo em que um homem sugere que o office boy Herus Guimarães Mendes não foi morto enquanto estava indo comprar um lanche. Segundo ele, não existem barracas nem se vende nada no beco onde o jovem de 24 anos foi morto, durante uma operação policial no Morro Santo Amaro, no Rio de Janeiro, na madrugada do dia 7. O autor do vídeo também afirma que a polícia não foi informada de que haveria uma festa no local da operação.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Herus foi baleado perto de uma padaria localizada na Rua Luís Onofre Alves, via principal de acesso ao Morro Santo Amaro. Ele morreu na escadaria que liga essa via à rua Marília Toninni. O jovem foi atingido durante uma festa junina, quando o comércio ainda estava aberto.
Em depoimento à Polícia Civil divulgado pelo G1, um dos policiais militares afirmou que trocou tiros com traficantes e que, quando chegavam na Rua Luís Onofre Alves, houve outro tiroteio com pessoas não identificadas. Ele não mencionou a festa junina e disse que só notou que havia uma pessoa baleada quando a equipe já deixava o local, ao ver um carro prestando socorro a alguém.
A versão é diferente da que testemunhas apresentaram ao Verifica: um morador disse que os policiais arrastaram o rapaz para dentro do beco depois de perceberem que ele tinha sido atingido. A perícia ainda vai dizer de onde partiu o disparo.
O Verifica tentou contato com o autor do vídeo por meio do endereço de e-mail vinculado a um de seus canais no YouTube, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Segundo ele, os policiais tentaram esconder o rapaz e negaram socorro. "Estavam falando que o Herus era bandido, que era vigia, e não estavam deixando ninguém prestar socorro. E aí quando eles viram o que eles fizeram, eles tiraram a grade e arrastaram mais pro final ainda, tentando esconder o Herus. E negaram socorro e foram embora", completou Elias.
A mãe de Herus, Mônica Guimarães Mendes, disse o mesmo durante um protesto pela morte do filho no último dia 8. "Meu filho foi alvejado na barriga, botou a mão e caiu em frente à padaria. O policial arrastou meu filho pela escada, jogou o corpo do meu filho e gritou que meu filho era vigia [do tráfico], botou uma grade pra ninguém socorrer o meu filho", disse. Ela questiona como os policiais não viram as fantasias da quadrilha que iria se apresentar no local.
No Instagram, o ator Álamo Facó publicou um vídeo durante o ato na comunidade e mostrou os relatos do presidente da Associação de Moradores de Santo Amaro, Cassiano Silva, e de Rodrigo Ribeiro, puxador da quadrilha João Danado. O vídeo foi feito exatamente em frente à entrada do beco, no local onde Herus foi baleado. O ator aponta para o local e mostra, a poucos metros dali, a casa da mãe do office boy.
"O Herus, gente, morava exatamente ali, ó. A mãe dele estava exatamente ali. E ele foi baleado exatamente aqui", diz, apontando para um ponto a poucos metros da casa, o espaço entre a Igreja Assembleia de Deus e a padaria para onde ele se dirigia.
Rodrigo Ribeiro, que usa um chapéu de couro característico de quadrilhas juninas, mostra o lugar e diz: "Ele foi assassinado ali, uma pura covardia, e não deixou a gente saber, ir buscar…", diz. Ele aponta para o chapéu e pergunta se o adereço é uma arma, e ironiza: "No Rio de Janeiro, cultura agora é crime".
Durante um protesto, Rodrigo disse ao site Voz das Comunidades: "Tiraram o corpo dele do lugar. Tiraram o corpo de onde estava e passaram por cima dele. Eu entrei na frente, eu abri os braços, eu tava vestido de Virgulino [o Lampião], eu tava vestido de cangaceiro. Eu abri os braços pra ele e falei: 'Você vai me dar tiro também?'. E ele falou: 'Sai da frente'".
Cassiano Silva cobra uma resposta do Estado do Rio de Janeiro. "Existe uma palavra chamada 'abortar a missão'. Existia uma festa junina aqui, não era pra ter acontecido isso com o Herus, e nem com ninguém", disse. Além de Herus, outras cinco pessoas foram baleadas na operação.
Policial disse que só ele atirou
O caso é investigado pela Corregedoria da Polícia Militar do Rio de Janeiro, pela Polícia Civil do Estado e pelo Ministério Público do Rio (MPRJ). No dia 9 de junho, o MP anunciou que iria iniciar uma apuração paralela, inclusive com a realização de uma perícia independente no corpo de Herus.
Em nota, o procurador-geral de Justiça Antonio José Campos Moreira disse que a operação não foi precedida da cautela necessária. "Estava em curso no local uma festa junina, com centenas de pessoas festejando pacificamente, quando houve essa incursão. Isso contraria todo e qualquer procedimento de atuação da Polícia Militar, o que é reconhecido pela própria corporação", disse.
O Verifica tentou contato com a Polícia Militar do Rio de Janeiro, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. Um dos policiais envolvidos na ação, o sargento do Bope Daniel Sousa da Silva, disse em depoimento à Polícia Civil que foi o único de sua equipe a atirar durante a ocorrência.
Segundo ele, foram 20 tiros, todos em revide a disparos de traficantes. Os 13 primeiros teriam ocorrido antes de eles chegarem à Rua Marília Toninni, que fica na parte de baixo da escadaria. Os outro sete ocorreram pouco depois, depois de os policiais chegarem ao topo da escadaria. Segundo o sargento, só ele disparou porque era o "policial ponta de patrulha", o que segue na frente. Ele não mencionou a festa junina, nem o motivo da operação.
O depoimento dele foi obtido com exclusividade pelo RJ2, da TV Globo, e contraria a primeira versão da PMERJ, que disse que os policiais não tinham atirado no local. Os policiais envolvidos foram afastados, mas não presos. No dia 8, um policial civil de folga foi preso em flagrante ao atirar para o alto durante um ato que pedia justiça pela morte de Herus.
