Brasil não tem taxa de importação de quase 100%; alíquota varia de acordo com produto
TETO DE IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO, DEFINIDO PELO MERCOSUL, É DE 35%; MAS DIFERENTES TAXAS PODEM INCIDIR SOBRE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS
O que estão compartilhando: que o Brasil não pode reclamar da tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos a produtos brasileiros porque a nossa taxa de importação básica é de quase 100%.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Não existe uma "taxa de importação básica" fixa no Brasil. O teto do Imposto de Importação (II) praticado no País é de 35%. Essa alíquota é variável de produto para produto, e há casos de isenção, como para aquisição de livros. Especialistas em Direito Tributário ouvidos pelo Verifica explicam que outras tarifas podem incidir sobre importações, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Em alguns casos, a soma de todas as tarifas pode ser superior a 100%. Em outros, pode ser bastante reduzida.
Saiba mais: No dia 9, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou tarifas de 50% sobre produtos importados do Brasil. De acordo com o especialista em Direito Tributário Carlos Eduardo Navarro, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), essa cobrança é equivalente ao Imposto de Importação (II) praticado no Brasil, que varia de produto para produto. Esse imposto tem teto de 35%.
"O máximo que o Brasil cobra é de 35%, mas a gente tem muito produto com II de 5%, 10%, 12%, 14%...", explicou Navarro.
De acordo com ele, o Brasil só poderia cobrar mais de 35% como um instrumento de retaliação, seguindo a Lei de Reciprocidade Econômica. O mecanismo pode ser adotado contra os Estados Unidos. Nesta segunda, 16, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto regulamentando a legislação.
O especialista Gabriel Quintanilha, também professor de Direito Tributário da FGV, afirma que o sistema de definição dos impostos no Brasil é complexo, porque as importações seguem regras de tributação diferentes para cada produto que chega ao País.
"São dois modelos de tributação na importação no Brasil. O primeiro é referente à bagagem acompanhada e à compra online e o segundo refere-se aos contêineres que são trazidos para o País", enumerou.
"Neste último caso, cada mercadoria tem o seu imposto de importação, então não existe uma taxa única, mas sim uma variação a depender do produto", explicou.
Imposto de Importação é definido pelo Mercosul
Em relação à importação por pessoa jurídica, desde 1995, o Brasil adota a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) como sistema de classificação dos produtos. Esse sistema determina um código numérico para cada mercadoria e é o mesmo para os demais países do bloco econômico: Argentina, Paraguai e Uruguai.
O NCM sistematiza a Tarifa Externa Comum (TEC), que define os direitos de importação incidentes sobre cada item classificado. No Brasil, o Imposto de Importação (II) para mercadorias é definido pela alíquota indicada na TEC, que obedece ao teto de 35%. Produtos originários de países membros do Mercosul não estão sujeitos à cobrança.
Segundo a Receita Federal, as mercadorias são listadas na nomenclatura do Mercosul de forma progressiva, de acordo com o seu grau de elaboração, começando por animais vivos e terminando com obras de arte. De modo geral, à medida que cresce a participação do homem na elaboração da mercadoria, mais elevado é o número em que ela será classificada. A NCM contém mais de 10 mil códigos que podem ser consultados no Sistema Classif, no portal do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex).
Além do II, outros tributos podem incidir sobre produtos importados a depender de cada caso, entre eles: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), contribuição para Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para combustíveis; Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos Estados; e Taxa de Utilização do Siscomex.
O tratamento tributário para cada item pode ser consultado pelo Sistema Classi. No site da Receita Federal há um Simulador do Tratamento Tributário e Administrativo das Importações. Nenhuma das calculadoras emite a porcentagem referente ao ICMS.
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Carros têm 35% de imposto de importação, enquanto livros têm zero
Para exemplificar a diferença de impostos entre produtos, o Verifica simulou três casos na calculadora da Receita Federal. Na importação de um veículo automotor, paga-se 35% de II e 18,81% de IPI. Para importação de um instrumento de corda, como um violão, paga-se 5% de II e 0% de IPI. No caso dos livros, tanto o II quanto o IPI são zerados. Nas três situações, são cobrados PIS e Cofins, de 2,10% e 9,65%, respectivamente.
O ICMS, por sua vez, dependerá do Estado para onde esse produto será levado. A tabela das alíquotas do imposto pode ser consultada no site do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz).
De acordo com o professor Navarro, a soma dos tributos para importação de um produto pode, ao final, ser muito baixa, ou até ultrapassar 100%.
"A porcentagem varia muito de acordo com a classificação fiscal do produto", explicou. "Tem desde o livro, que é imune ao II, até produtos que com certeza ultrapassam 100%, como, por exemplo, produtos de luxo que costumeiramente têm um IPI alto".
O especialista destaca ainda que parte dos tributos pagos na entrada do País podem ser recuperáveis pelas empresas.
"Significa que a loja vai ter um crédito desses tributos para abater quando ela vender o produto", disse. "Embora recolhido na entrada, ele é uma antecipação do imposto da venda, porque vai ser repassado depois para o consumidor final".
E-commerce e bagagem seguem outras regras
Para pessoa física, a regra é diferente. Desde agosto de 2024, o imposto de importação de produtos comprados por meio de e-commerce por remessas postais e encomendas aéreas internacionais é de 20% em compras de até US$ 50. Já para produtos com valores entre US$ 50,01 e US$ 3 mil, a taxação é de 60%, com uma dedução fixa de US$ 20 no valor total do imposto. O ICMS é o mesmo em qualquer situação, aplicado à alíquota de 17%, exceto nos Estados que o majoraram para 20%, como Bahia e Ceará.
Esses impostos são pagos no ato da compra para aquelas lojas que aderiram ao Programa Remessa Conforme (PRC), criado pela Receita Federal para certificar empresas de comércio eletrônico que seguem regras de importação diferenciadas.
De acordo com a Receita Federal, se a loja não for credenciada e não cobrar o valor do imposto, o consumidor deverá ser cobrado na chegada do produto ao País, mas sem a redução do imposto (de 60% para 20%) em produtos que custam até US$ 50 e sem a dedução de US$ 20 em produtos mais caros.
No site da Receita Federal é disponibilizada uma calculadora que fornece estimativas de impostos para mercadorias comuns, excluindo situações especiais como medicamentos ou produtos isentos.
Para viajantes que chegam ao País, é aplicada a alíquota de 50% de imposto de importação sobre a bagagem que exceder os limites do valor da cota de isenção, obedecidos limites quantitativos.
